A solidão, muitas vezes percebida como um simples estado de espírito ou uma condição que afeta apenas “alguns”, emerge como um tema de crescente preocupação global. Longe de ser um sentimento isolado, ela tem sido reconhecida como uma verdadeira “epidemia invisível”, com impactos profundos na saúde individual e coletiva. A urgência de abordar esse tema se reflete no aumento exponencial de pesquisas e discussões em âmbitos científicos e sociais.
Recentemente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e diversas instituições de pesquisa, inclusive citações no PubMed, têm divulgado dados que apontam para um interesse crescente no tema da solidão. Como bem observado pela Dra. Carla Núbia Borges:
“Eu estava fazendo uma pesquisa no PubMed para ver o crescimento do número de publicações sobre o tema, e é exponencial! Não só o público leigo, como a própria comunidade científica está abraçando essa ideia, está se interessando, percebendo a importância!”
Essa efervescência de estudos e debates indica que o que antes era sussurrado em consultórios ou experimentado em silêncio, agora ganha voz e evidência científica.
Desvendando a “epidemia invisível”
Mas, por que chamamos a solidão de uma “epidemia invisível”? Em um mundo cada vez mais conectado digitalmente, onde redes sociais prometem aproximar pessoas e facilitar interações, a paradoxalmente crescente sensação de desconexão é um dos pontos centrais. Temos a impressão de que pertencemos a uma vasta rede de contatos, mas essa conectividade nem sempre se traduz em conexão real e significativa.
“Existe, e nós sabemos disso, uma impressão de que estamos muito conectados. Parece que pertencemos, que podemos nos relacionar com todo mundo, e que todo mundo está sempre muito conectado. […] as conexões através de mídias, de formas diversas, não trazem propriamente a conexão. A conexão ocorre pela proximidade, olhando nos olhos.” – Dr. Rodrigo Schultz
Além da ilusão de conectividade, um dos maiores desafios é o estigma associado à solidão. Muitas vezes, ser solitário é visto como um sinal de fraqueza ou uma falha pessoal, o que impede que as pessoas falem abertamente sobre o que sentem. É como se, ao não falar, o problema não existisse. Essa cultura de silêncio contribui para a invisibilidade da solidão, dificultando a busca por apoio e soluções.
“E, no entanto, o que se percebe é que há muito estigma relacionado à solidão. E em muitos locais, as pessoas solitárias são compreendidas como se isso fosse um sinal de fraqueza.” – Dr. Rodrigo Schultz
Solidão não é exclusividade da velhice
Um equívoco comum é associar a solidão primordialmente à terceira idade. Embora o envelhecimento possa trazer fatores de risco para a solidão, como a perda de entes queridos ou a redução da mobilidade, a realidade é que esse sentimento atravessa todas as fases da vida. Dados de pesquisas globais, como a da Gallup em 142 países, são contundentes:
“Segundo a OMS, 5 a 15% dos adolescentes se sentem em solidão, e 24% da população mundial se sente muito ou bastante solitária.” – Dr. Rodrigo Schultz
Isso significa que a solidão não é um destino inevitável da velhice, mas uma condição humana que pode afetar crianças, adolescentes, adultos e pessoas idosas, em diversas realidades socioeconômicas.
É crucial, neste ponto, distinguir a solidão da solitude. A solidão, como discutida, é um sentimento de desconexão, uma dor social que surge da discrepância entre o desejo de conexão e a conexão real. É uma sensação negativa e, muitas vezes, indesejada. A solitude, por outro lado, refere-se a um estado de estar sozinho que é deliberado, positivo e enriquecedor, permitindo autoconhecimento e reflexão.
“A solidão, como eu disse, é um sentimento natural e comum, resultando em consequências físicas, sendo a diferença entre o que a pessoa quer ou o que ela gostaria de ter de conexão, e a qualidade que tem. […] Há pessoas que têm poucas relações e não se sentem em solidão, e há pessoas que têm muitos amigos e se sentem solitárias. Então, isto é muito importante, é esta diferença entre o que você gostaria e o que você tem.” – Dr. Rodrigo Schultz
A solidão como mecanismo adaptativo
Paradoxalmente, a solidão pode ser compreendida sob uma ótica biológica e evolutiva como um mecanismo adaptativo. Assim como a fome nos impulsiona a buscar alimento e a sede, água, a solidão nos “cutuca” a buscar conexão.
O próprio Dr. Rodrigo Schultz cita a Dra. Louise Hockley, da Escola de Saúde Pública de Harvard, comparando a solidão com a fome e a sede, argumentando que ela impulsiona as pessoas a se conectarem:
“Há uma doutora da Escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard, a Dra. Louise Hawkley, que compara a solidão à fome e à sede, impulsionando as pessoas a procurarem se conectar, porque nos primórdios da nossa existência, como homens, há milhares de anos, aqueles que faziam mais conexão, aqueles que colaboravam uns com os outros, se conectavam, onde havia colaboração, havia maior chance de sobrevivência.” – Dr. Rodrigo Schultz
Essa perspectiva nos lembra que a necessidade de conexão social é inerente à nossa espécie, um pilar fundamental para nossa sobrevivência e prosperidade ao longo da história. O homo sapiens prevaleceu justamente por sua capacidade de colaboração e conexão, um diferencial que nos permitiu ir longe.
Chamada para a reflexão
Ao final deste primeiro artigo, convidamos você a olhar para a solidão com novos olhos: não como uma falha individual, mas como um sentimento universal, com raízes biológicas e consequências sociais complexas. Compreender sua natureza e desmistificar o estigma é o primeiro e fundamental passo para abordá-la de forma eficaz. Nos próximos artigos, aprofundaremos os impactos da solidão na saúde integral e exploraremos as estratégias para sua redução e eliminação, promovendo conexões genuínas.