O cenário da desconexão: estafa social, mídias digitais e a crise dos diagnósticos

Em um mundo que se autodenomina “hiperconectado”, paradoxalmente, a sensação de desconexão e a fadiga social parecem crescer exponencialmente. A Live 2, com a participação do Dr. Rodrigo Schultz, da Dra. Carla Núbia Borges e da Dra. Cinthia Alves Prais, mergulhou profundamente nesse fenômeno, explorando como a era digital e a cultura da comparação contribuem para uma “estafa social” e uma preocupante “crise de diagnósticos”.

A crise dos diagnósticos na era digital
A Dra. Cinthia Alves Prais, com sua percepção aguçada de psicóloga, introduz a ideia de que estamos vivendo uma verdadeira “crise de diagnóstico”, impulsionada, em grande parte, pelas mídias sociais:

“Eu acho que a gente vive uma crise de diagnóstico. Você entra no Instagram, você descobre que você tem uma série de transtornos que até cinco minutos atrás não sabia nem que existia. […] Eu acho que a primeira coisa é qual é a função de se buscar um diagnóstico? A serviço de quem estão esses diagnósticos tão equivocados? Feitos por posts do Instagram com falas curtas, enviesadas, que trazem uma pílula ou outra de ciência, e misturam o conceito, o conhecimento, e fazem com que a gente, às vezes, esteja com dúvidas sobre o que, de fato, é crível.” – Dra. Cinthia Alves Prais

Esse cenário leva a situações como a relatada pelo Dr. Rodrigo Schultz no artigo anterior, onde uma professora foi encaminhada para avaliação de autismo apenas por preferir passar um tempo consigo mesma. A Dra. Cinthia confirma que essa é uma realidade frequente em seu consultório, onde pacientes chegam já “pré-diagnosticados” por informações superficiais de redes sociais:

“Isso é muito frequente no meu consultório também. As pessoas chegam, ou pacientes que estão comigo há algum tempo me questionam. Após um período já de processo terapêutico me perguntam: Cínthia, você conhece algum neurologista ou uma neuropsicóloga? Porque eu tô precisando saber se eu sou autista. Como?! Fico surpresa, mas o que te faz pensar nisso? E justamente são falas, assim, muito equivocadas.” – Dra. Cinthia Alves Prais

Essa busca por “rótulos” e o autodiagnóstico equivocado desviam a atenção das verdadeiras necessidades emocionais e comportamentais, misturando-as com doenças complexas.

Mídias digitais e a estafa social
A raiz dessa “crise” está intrinsecamente ligada ao funcionamento das mídias digitais e ao seu impacto na nossa percepção de produtividade e bem-estar. A Dra. Cinthia Alves Prais revela uma pesquisa recente que aponta para um paradoxo:

“Eu vi uma pesquisa que dizia que as pessoas que não acessam a rede social ao longo do dia, elas têm a sensação, ao final do dia, que o dia delas rendeu muito mais, que elas foram mais produtivas, elas têm menos estafa. […] Porque quando você acessa o mundo, aqui visualmente, você capta muito menos informação e tem muito menos interação e muito menos gatilhos, vamos dizer assim, do que quando você abre uma página de uma rede social, seja ela qual for, e que você é absolutamente invadido por pensamentos, percepções, informações rasas, conteúdos enviesados, criados para gerar pânico, preocupação, ansiedade, depressão e comparações.” – Dra. Cinthia Alves Prais

Apesar de acessarmos as redes sociais em “tempo morto” – durante a fila, almoço e elevador – a sobrecarga de informações e estímulos visuais e emocionais gera uma “estafa social” e mental. Essa invasão constante sobrecarrega nossa capacidade de processamento, tornando-nos mentalmente exaustos. O resultado é que associamos cada vez mais a experiência social – mesmo aquela mediada digitalmente – a emoções desprazerosas, o que nos leva a evitar a interação e buscar recolhimento.

A gamificação da vida e o limbo da desconexão
Esse fenômeno se agrava pela gamificação da vida social nas plataformas digitais, onde o reconhecimento e a validação são medidos por métricas como “likes”, comentários e compartilhamentos. A Dra. Cinthia Alves Prais critica essa superficialidade:

“Essas moedas de troca, elas são muito baratas. A gente tá vendendo a nossa vida a um preço que jamais vai conseguir ser satisfatório. […] Essa história da gente ter gamificado a nossa vida, em que as relações sociais passam pelo reconhecimento dos likes, das mensagens do direct, número de pessoas que você encaminhou aquele conteúdo, você salvou e quantos comentários têm…” – Dra. Cinthia Alves Prais

Essa busca incessante por validação externa, muitas vezes irreal, nos afasta do olhar para dentro, para o que realmente tem significado e sentido. Douglas Moraes, um dos participantes da live, ecoa essa crítica ao falar sobre as “performances sociais”, e a Mariana, outra participante, menciona a “obesidade mental”.

“Observamos que as pessoas parecem “zumbis”. Essa metáfora dos “zumbis” ilustra a perda da consciência do ambiente e de si mesmo, presos a uma tela, em um “limbo” onde não há conexão real com o mundo exterior nem com o interior. Isso impede o desenvolvimento da solitude saudável e, ao invés disso, aprofunda a solidão e o isolamento.” – Dr. Rodrigo Rizek Schultz

A Dra. Cinthia reforça que a falta de silêncio, ócio e a impossibilidade de esperar na vida moderna contribuem para essa estafa. Não há mais espaço para a reflexão, para o “nada fazer” que é essencial para a mente. Essa sobrecarga contínua de estímulos, comparações e a necessidade de “performance social” levam a uma “estafa mental, emocional, social, cognitiva, fisiológica”, fazendo com que as interações sociais se tornem exaustivas e desprazerosas.

É fundamental reconhecer que esse cenário da desconexão não é apenas um fenômeno comportamental, mas um desafio profundo à saúde mental e social. A compreensão desses mecanismos é o primeiro passo para se buscar um equilíbrio mais saudável e promover conexões mais genuínas, que serão o foco do nosso próximo artigo.