Após desvendar as complexidades entre solidão e solitude e analisar o cenário de desconexão e estafa social da era digital, a Live 2 nos convida a focar nas soluções: como fomentar conexões genuínas, desenvolver a segurança emocional e cultivar um bem-estar integral. Os palestrantes Dr. Rodrigo Schultz, Dra. Carla Núbia Borges e Dra. Cinthia Alves Prais convergem para a ideia de que a qualidade das nossas relações sociais é o pilar fundamental para uma vida plena e saudável.
A saúde social como novo pilar do bem-estar
Tradicionalmente, a saúde era definida pela ausência de doenças e, posteriormente, expandida para incluir o bem-estar físico e mental. No entanto, o Dr. Rodrigo Schultz destaca uma evolução crucial nessa compreensão, impulsionada por instituições de renome global:
“A Organização Mundial de Saúde coloca esta terceira dimensão. É a OMS que apresenta a saúde social, no passado restrito à saúde física e mental. E agora entra o social e quem traz é a Organização Mundial de Saúde. Diz respeito à qualidade das relações com familiares, amigos e colegas do trabalho. Isso que é capaz de proporcionar mais saúde física, mental e longevidade.”– Dr. Rodrigo Schultz
Essa nova perspectiva da OMS sublinha que a qualidade das nossas interações e o senso de pertencimento são tão vitais quanto a saúde física e mental para a longevidade e a qualidade de vida. A Dra. Carla Núbia Borges complementa essa visão, enfatizando o papel central das relações para a longevidade ativa:
“Realmente a longevidade, nós estamos num século de envelhecimento ativo. […] O que é saúde? É um bem-estar biopsicossocial. […] Cada vez mais essa saúde social, essa rede social que é construída, irá transpor em toda a jornada da vida como um efeito muito positivo. E a ausência dela é muito verdadeira no desfecho negativo na terceira idade.”– Dra. Carla Núbia Borges
A longevidade, portanto, não é apenas sobre viver mais, mas viver bem, e as conexões sociais são o alicerce para isso.
Segurança emocional: a base para relações saudáveis
Para construir essas conexões genuínas, a segurança emocional emerge como um fator crítico. A Dra. Cinthia Alves Prais explora a profundidade desse conceito, que muitas vezes remonta às primeiras experiências de vida:
“Eu quero fazer um gancho, Carla, e talvez ampliar um pouquinho um dos aspectos que você trouxe, que é absolutamente foco da minha atenção e objeto de estudo no momento, que é a construção de segurança emocional. […] para as pessoas que, de repente, estão nos acompanhando e que se identificam com a sua fala, mas sentem que elas não se encaixam no padrão de terem tido uma vivência social saudável. De não terem vindo de lares estruturados, de relações de amor, de relações de respeito, de relações em que essas conexões emocionais que geram segurança estiveram presentes.”– Dra. Cinthia Alves Prais
Cinthia ressalta que indivíduos que não tiveram essa base de segurança podem desenvolver vulnerabilidades que levam à solidão, ao invés da solitude. Para eles, interagir com o mundo pode ser percebido como ameaçador, levando a padrões de autoabandono e à busca de validação em relações tóxicas. No entanto, ela oferece uma mensagem de esperança e resiliência:
“Existe um jeito de, apesar de elas não serem uma tábua rasa para algumas experiências em função desse trauma de desenvolvimento, para a possibilidade do florescer. […] fazer a reparentalização, que é olhar e perceber que talvez você seja a adulta que te faltou e que aquela pessoa que vai te validar não é portanto o seu chefe, seu cônjuge, sua amiga, mas é você mesmo a partir do momento em que enxerga que você é capaz de estabelecer limites saudáveis e a interação social passa a ser até desejável e a própria interação consigo mesma também prazerosa, porque essa relação consigo é a relação que a gente vai levar para toda a vida.”– Dra. Cinthia Alves Prais
Essa “reparentalização” é um chamado à autorresponsabilidade e ao autocuidado, fundamental para romper ciclos de dependência de validação externa e construir uma relação saudável consigo mesmo. A Dra. Carla Núbia, ao citar Damásio, reforça a importância do suporte emocional desde a primeira infância como preditor do desenvolvimento humano, enfatizando que é a qualidade do suporte, e não a quantidade de bens ou atividades, que molda a capacidade de construir relações seguras.
A solidão como dor protetiva e a força da validação
Embora a solidão seja frequentemente associada à dor, a Dra. Carla Núbia Borges oferece uma perspectiva inovadora: ela pode ser, paradoxalmente, uma “dor protetiva”:
“A solidão, assim como a dor física, a gente falou isso na segunda-feira. Quando eu tenho uma dor, eu procuro um médico para saber porque eu estou com dor. Então, a dor física é protetiva. Se eu estou com dor da alma, dor de estar só, se eu estou em solidão, ela também pode ser protetiva para eu procurar minha ajuda, procurar minha conexão. Mas se eu não faço isso, ela me adoece.” – Dra. Carla Núbia Borges
Essa visão empodera o indivíduo a usar o desconforto da solidão como um sinal para buscar apoio e reconexão. O Dr. Rodrigo Schultz enfatiza a importância do pertencimento e da confiança nas relações, citando Julianne Holt-Lunstad, que afirma:
“Nós devemos priorizar nossos relacionamentos sociais como se nossa vida dependesse disso, porque depende.”– Dr. Rodrigo Schultz
A Dra. Cinthia Alves Prais reforça a urgência de validar a dor – a própria e a do outro – como um passo fundamental para construir confiança e pertencimento:
“Não invalide a própria dor e nem a dor de ninguém porque para a gente construir confiança e pertencimento, como o Rodrigo trouxe, eu absolutamente aplaudo isso de pé, vejo exatamente, confio exatamente nesses conceitos, precisamos validar o que estamos sentindo ainda que isso nos torne impopular com as pessoas que gostamos, e validar que a dor do outro ou a forma com que o outro enxerga o mundo é diferente da minha e que ainda que eu não concorde, não compreenda eu preciso ser capaz de dar a ele o direito de existir tal como ele é.”– Dra. Cinthia Alves Prais
Essa validação mútua é o antídoto para a superficialidade das conexões digitais e para a comercialização do sofrimento humano.
Cultivando a solitude e a vida com propósito
No fechamento da live, a reflexão se volta para a responsabilidade individual na busca por um sentido mais profundo. A Dra. Cinthia Alves Prais provoca uma autoanálise essencial:
“O que é que a gente tem feito com a nossa própria vida, com a nossa saúde, com o que tem valor para nós em busca de reconhecimento? O que é que a gente tem feito para ser validado por um mundo que talvez não tenha esse valor todo que a gente está dando lá fora e tenha mais valor aqui dentro se a gente pudesse nutrir?”– Dra. Cinthia Alves Prais
O cultivo da solitude madura – o prazer de estar na própria companhia, sem a necessidade de validação externa – é um recurso saudável de autocuidado e a base para uma vida autêntica. Em um mundo ruidoso e hiperconectado, a sabedoria reside em buscar o equilíbrio, valorizar as conexões genuínas e, sobretudo, encontrar a plenitude dentro de si.