A linguagem da conexão: explorando os conceitos de solidão e isolamento social

Bem-vindo(a) à “Maratona TES da Conexão Social”, uma jornada de descoberta e compreensão sobre um dos maiores desafios de saúde pública do nosso tempo: a desconexão social. No programa “Tempo de Encontro em Solidão” mergulhamos nas profundezas do relatório “Da solidão à conexão social – elaborando um caminho para sociedades mais saudáveis”, produzido pela Organização Mundial de Saúde – OMS, para desvendar as complexidades desse fenômeno que afeta milhões de vidas.

Em um mundo cada vez mais interligado digitalmente, paradoxalmente, muitas pessoas se sentem profundamente desconectadas. Para compreendermos esse fenômeno complexo e seus impactos, é fundamental compreendermos a mesma língua. Neste primeiro artigo, nosso ponto de partida é fundamental: entender a linguagem. Para combater eficazmente a desconexão social e fomentar a conexão, precisamos primeiro definir claramente os termos que usamos. O que exatamente significa “conexão social”, “isolamento social” e “solidão”? Quais são suas nuances e como se manifestam em diferentes culturas e fases da vida? Prepare-se para desvendar esses conceitos-chave e construir uma base sólida para nossa jornada, onde a busca por conexão é uma das mais profundas aspirações humanas.

Conexão social: um termo guarda-chuva
A OMS define a saúde não apenas como a ausência de doença, mas como um estado de completo bem-estar físico, mental e social. Dentro dessa visão, a saúde social emerge como um pilar essencial, e no seu cerne está a conexão social. Este é um termo abrangente que descreve como as pessoas se relacionam e interagem umas com as outras, manifestando-se em três dimensões interligadas que se complementam para formar o todo da experiência social humana:

Dimensão estrutural:
refere-se ao número e à variedade de relacionamentos e papéis que uma pessoa possui, bem como à frequência, duração e modo das interações, seja presencial ou online. É a “arquitetura” da rede social de um indivíduo, o esqueleto de suas interações. Pense no tamanho da sua rede de amigos, familiares, colegas, ou na frequência com que você interage com eles. Uma rede social ampla geralmente cria mais oportunidades para a troca de apoio e para o desenvolvimento de laços de alta qualidade.

Dimensão funcional:
diz respeito à extensão em que o apoio é recebido e percebido como disponível a partir desses relacionamentos. Isso inclui apoio prático, como alguém que ajuda em uma mudança; financeiro; informacional, como um conselho oportuno; emocional, como um ombro amigo para desabafar; ou um simples “sentimento de pertencimento” que nutre o espírito. É o que as relações oferecem e o que se espera delas.

Dimensão da qualidade:
aborda a natureza intrínseca dos relacionamentos e interações. Esta dimensão pode variar amplamente, desde o positivo, como relações amorosas, íntimas, satisfatórias e enriquecedoras; negativo, como interações tensas, conflituosas, críticas, abusivas ou até violentas; ou ambivalente, uma mistura de sentimentos.

É importante notar que ter uma rede social ampla (dimensão estrutural) não garante que as necessidades de apoio serão atendidas (dimensão funcional) ou que os relacionamentos serão sempre positivos (dimensão da qualidade), pois a profundidade e a satisfação são fatores cruciais.

Isolamento social: a ausência objetiva
O isolamento social é uma forma de desconexão social caracterizada pela falta objetiva de papéis, relacionamentos ou interações com os outros. Ele se manifesta por uma rede social restrita, pouca afiliação a grupos e interações sociais infrequentes, independentemente de como o indivíduo percebe sua vida social. É uma medida quantificável da ausência de contato social, um fato observável. É a falta de uma rede social ou de interações sociais frequentes. Uma pessoa pode estar isolada socialmente e não se sentir solitária, por exemplo, se ela valoriza a solitude e não sente falta de mais interações.

Solidão: o sentimento subjetivo
A solidão, por outro lado, é uma experiência subjetiva e emocionalmente negativa. Ela surge de uma discrepância, um hiato, entre a experiência de conexão social desejada e a real. É a dor de sentir que falta algo nas suas relações, mesmo que você esteja rodeado de pessoas. Como bem expressou Imad Khchifati, um engenheiro da Síria que vive na Áustria:  “Você pode estar rodeado de muitas pessoas, mas ainda assim se sentir sozinho”.

Essa discrepância pode ser resultado de poucas conexões sociais, apoio insuficiente, interações de baixa qualidade, ou uma combinação desses fatores. A solidão pode ser transitória, uma resposta temporária a eventos da vida como um luto recente, mudança de cidade ou rompimento, ou a solidão pode ser crônica, persistindo por longos períodos e tornando-se um estado constante de angústia.

É crucial diferenciar solidão de “estar sozinho”, ou seja, a ausência física temporária ou voluntária de outras pessoas, bem como de “solitude”, interpretado como o estado voluntário de estar sozinho para reflexão, descanso ou oportunidade à criatividade, que pode ser profundamente positivo e restaurador. A solidão, no contexto deste relatório e de nossa discussão, é sempre involuntária e indesejada, uma dor da desconexão.

A distinção é fundamental
Embora frequentemente usados como sinônimos no dia a dia, solidão e isolamento social são conceitos distintos e fracamente correlacionados. Uma pessoa pode estar socialmente isolada ou com pouquíssimos relacionamentos, mas não se sentir solitária porque não sente falta de mais contatos, e o inverso também pode ocorrer, estar cercada de pessoas mas sentir a dor profunda pela falta de conexão. Ambos, no entanto, têm impactos independentes e significativos na saúde e na mortalidade, destacando a complexidade do bem-estar social.

A distinção entre esses conceitos é vital para a mensuração precisa, a formulação de intervenções eficazes e a implementação de políticas públicas que realmente atinjam seus objetivos. Como Joe Coggins, um observou um estudante de doutorado e ativista na Austrália: “Acho que a maior barreira que enfrentei para obter apoio para a solidão e o isolamento social é o estigma associado a isso. Achei mais fácil revelar meu diagnóstico de doença mental do que minhas experiências de solidão.” Essa dificuldade em admitir a solidão mostra a invisibilidade do problema e a necessidade de desmistificá-lo.

Diferenças culturais e ao longo do ciclo de vida
A cultura molda profundamente como a conexão social, o isolamento e a solidão são definidos e experimentados. Embora as definições ocidentais sejam amplamente aplicáveis, nuances culturais existem e são importantes. Por exemplo, em algumas línguas, a mesma palavra pode significar tanto solidão quanto solitude, o que pode dificultar a distinção e a compreensão do fenômeno, enquanto em outras, como o inglês e o turco, há termos distintos para cada estado. A solidão tende a ser mais estigmatizada em culturas coletivistas, onde os laços familiares e comunitários são muito fortes e esperados, o que pode levar as pessoas a esconderem sua experiência, como compartilhou April Baker do Reino Unido: “Admitir que eu estava sozinha foi um desafio, a vergonha foi difícil de superar – pessoas em uma noite de sábado jantando juntas e pensando, ‘eu queria poder me juntar a elas’, e então me sentindo envergonhada.”

As experiências de conexão e desconexão também variam significativamente ao longo da vida, refletindo as diferentes necessidades e expectativas em cada fase. Na adolescência, as expectativas elevadas de conexão social e aceitação pelos pares podem levar a taxas mais altas de solidão, quando essas expectativas não são atendidas. Em contraste, na velhice, as expectativas de relacionamento se expandem, incluindo a necessidade de respeito, o que pode aumentar as fontes potenciais de solidão, especialmente com a perda de entes queridos ou a diminuição da mobilidade. Eventos de vida marcantes, como a transição para a escola, o casamento, a parentalidade, a mudança de carreira ou a aposentadoria, podem ser profundamente disruptivos e afetar significativamente as redes sociais e os sentimentos de conexão.

A necessidade de conexão é universal, mesmo que suas manifestações e a percepção da sua ausência variem. Macy Maboi, mãe solteira e professora pré-escolar na África do Sul, expressa essa necessidade de forma tocante: “Quando penso em solidão, penso em não ter alguém em quem confiar. Eu sempre me sinto isolada porque não acho que tenho pessoas que me entendem.” No entanto, a conexão não precisa ser apenas física; a mente pode ser um refúgio, como descreve Adel, um jovem refugiado de Uganda na Suécia, que apesar da ausência física, mantém sua família presente em seus pensamentos: “Estou completamente sozinho aqui na Suécia, mas nunca estou sozinho aqui (aponta para a cabeça). Minha família está aqui o tempo todo.”

A compreensão dessas definições e suas variações é o primeiro passo para abordar a desconexão social de forma eficaz e construir sociedades mais saudáveis, inclusivas e verdadeiramente conectadas. Desmistificar esses termos nos permite avançar com mais clareza e empatia.

Perguntas e respostas

Qual a diferença entre solidão e isolamento social?
Solidão é um sentimento subjetivo e negativo que surge da discrepância entre a conexão social desejada e a real. Isolamento social é a ausência objetiva de contatos e interações sociais. Uma pessoa pode estar isolada sem se sentir solitária, e vice-versa.

A conexão social tem diferentes dimensões?
Sim, a conexão social é um conceito guarda-chuva que abrange três dimensões interligadas: estrutural, caracterizada pelo o número e variedade de relacionamentos; funcional, relacionada ao apoio recebido e percebido; e de qualidade, que diz respeito a natureza positiva ou negativa dos relacionamentos.

A solidão é sempre um sentimento negativo?
No contexto do relatório da OMS, sim. A solidão é definida como um estado emocional negativo e hostilizado, resultante da falta da conexão social desejada. Ela se diferencia da solitude, que é o estado voluntário e positivo de estar sozinho para fins de recuperação, reflexão ou lazer.

Posso me sentir sozinho mesmo estando rodeado de pessoas?
Sim. A solidão é uma experiência subjetiva. Você pode ter muitas interações sociais (conexão estrutural) e ainda assim sentir que a qualidade ou a profundidade dessas relações não atende às suas necessidades, gerando a dor da solidão.

O que é o estigma da solidão?
É a vergonha ou o preconceito associado a sentir-se solitário. Esse estigma dificulta que as pessoas admitam sua solidão e busquem ajuda, perpetuando o problema em silêncio e tornando-o um desafio ainda maior de saúde pública.

A cultura influencia a solidão?
Sim, a cultura molda profundamente as expectativas sobre as relações sociais e a forma como a solidão é percebida e expressa. Em algumas culturas, a solidão pode ser mais estigmatizada, afetando a disposição das pessoas em falar sobre ela e em buscar apoio.

Agora que estabelecemos a linguagem e as definições essenciais, desmistificando os conceitos de conexão social, isolamento social e solidão, o próximo passo lógico em nossa maratona é entender a dimensão do problema. No próximo artigo, exploraremos a “escala do problema”, mergulhando nos dados e estatísticas globais sobre a prevalência da solidão e do isolamento social, e como esses números se manifestam em diferentes regiões e faixas etárias. Você descobrirá a urgência, a amplitude e o impacto desse desafio global, que afeta pessoas de todas as idades e em todos os cantos do planeta.

Conclusão
Compreender os conceitos de conexão social, isolamento social e solidão é mais do que uma questão semântica; é a base fundamental para reconhecer a profundidade e a amplitude de um desafio que afeta milhões de vidas em todo o mundo. Ao desmistificar esses termos, ao distingui-los e ao entender suas nuances culturais e etárias, abrimos caminho para discussões mais informadas e ações mais eficazes. A conexão humana é uma necessidade fundamental, uma aspiração universal, e ao valorizá-la em todas as suas dimensões – estrutural, funcional e de qualidade – podemos começar a construir um mundo onde todos se sintam vistos, ouvidos, apoiados e verdadeiramente conectados. Este é o primeiro e crucial passo para sociedades mais saudáveis e resilientes.

Todo o conteúdo apresentado neste artigo é baseado, exclusivamente, no relatório “Da solidão à conexão social – elaborando um caminho para sociedades mais saudáveis”, produzido pela Organização Mundial de Saúde – OMS.